Paralelos entre a crise de 2008 e a Crise da Companhia do Mississippi
Mark Twain, que cunhou a frase, “A história nunca se repete, mas rima”, esperava que eventos históricos nunca fossem exatamente iguais, mas que fossem, em essência, parecidos. E ele não poderia estar mais certo, principalmente se tratando em como os Estados gostam de insistirem nos erros cometidos pelos governos de outrora.
É impressionante, por exemplo, as similaridades da bolha imobiliária de 2008 com a crise da Companhia do Mississippi. Gosto principalmente da descrição da Crise do Mississippi que Yuval Noah Harari faz em seu livro, Sapiens: Uma Breve História da Humanidade. A descrição da crise é feita com uma simplicidade que qualquer um possa entender e por isso vou replica-la abaixo.
“Em 1717, a Companhia do Mississippi, fundada na França, tratou de colonizar o vale do baixo Mississippi, fundando a cidade de Nova Orleans no processo. Para financiar seus planos ambiciosos, a empresa, que tinha boas relações na corte do rei Luís XV, vendeu ações na bolsa de valores de Paris. John Law, o diretor da empresa, era também presidente do Banco Central da França. Além disso, o rei o havia nomeado controlador-geral de finanças, um cargo mais ou menos equivalente ao de um ministro de Finanças em nossos dias. Em 1717, o vale do baixo Mississippi oferecia poucas atrações além de pântanos e crocodilos, mas a Companhia do Mississippi espalhou histórias de riquezas fabulosas e oportunidades infinitas. Aristocratas, homens de negócios e membros apáticos da burguesia urbana da França foram atraídos por essas fantasias, e os preços das ações da Companhia do Mississippi dispararam. No início, as ações eram oferecidas a 500 Libras. Em 1 de agosto de 1719, eram vendidas a 2,75 mil Libras. Em 30 de agosto, valiam 4,1 mil Libras e, em 4 de setembro, chegaram a 5 mil Libras. Em 2 de dezembro, o preço de uma ação da Mississippi ultrapassou os 10 mil Libras. A euforia tomou conta das ruas de Paris. As pessoas venderam todos os seus bens e contraíram grandes empréstimos para comprar ações da Companhia do Mississippi. Todos pensavam ter descoberto o caminho fácil para a riqueza.”
Nesse ponto vale uma pausa para traçar um paralelo entre a euforia dos imóveis nos EUA antes de estourar a crise, e a Companhia do Mississippi. Em ambos os casos as pessoas se endividavam muito mais do que eram capazes de pagar. Uma comprando diversos imóveis sem precisar nem mesmo comprovar renda e outra comprando ações baseados em boatos de uma riqueza fácil e sem grandes dificuldades. As casas nos EUA antes de 2008 eram vendidas para um especulador, que então revendia para outra pessoa, que na verdade também era um especulador e que gostaria de obter um lucro na revenda, e assim, de novo e de novo, o processo se repetia por mais vezes enquanto a bolha não estourava. Na verdade poucas casas eram realmente vendidas para serem usadas como moradia, e o que mantinha a roda girando eram especuladores vendendo para especuladores. Uma única pessoa podia comprar inúmeras casas e quando conseguia vender uma ia pagando as parcelas das casas restantes com o dinheiro obtido.
Na verdade esse processo não seria errado se a avaliação de risco fosse corretamente sinalizada pelos Bancos e pelas classificadoras de risco, avaliação que, claro, não ocorreu.
Continuando a história da Companhia do Mississippi, Harari diz:
“Poucos dias depois, o pânico começou. Alguns especuladores perceberam que os preços das ações eram totalmente irrealistas e insustentáveis. Concluíram que era melhor vender enquanto os preços estavam no pico. À medida que a oferta de ações disponíveis aumentou, os preços caíram. Quando outros investidores viram o preço caindo, também quiseram vender depressa. Com isso,os preços despencaram ainda mais, desencadeando uma avalanche. Para estabilizar os preços, o Banco Central da França — presidido por seu diretor, John Law — comprou ações da Companhia do Mississippi, mas não poderia fazer isso para sempre. O banco acabou ficando sem dinheiro. Quando isso aconteceu, o controlador-geral de finanças, o mesmo John Law, autorizou a impressão de mais dinheiro a fim de comprar mais ações. Isso colocou todo o sistema financeiro da França dentro da bolha. E nem mesmo essa mágica financeira foi capaz de salvar o dia. O preço das ações da Companhia do Mississippi caiu de 10 mil Libras para 1 mil Libras outra vez, e então despencou completamente, e as ações perderam cada centavo de seu valor. A essa altura, o Banco Central e o Tesouro Real tinham uma quantidade absurda de ações sem valor e não tinham dinheiro algum. Os grandes especuladores saíram praticamente ilesos — eles venderam a tempo. Os pequenos investidores perderam tudo, e muitos cometeram suicídio.”
Aqui vemos o mesmo comportamento de Bancos Centrais separados por um período de 300 anos. Da mesma forma que o Banco Central Francês imprimiu dinheiro para comprar ações da Companhia do Mississippi, Bancos Centrais do mundo todo durante e após a crise de 2008 também imprimiram dinheiro para comprarem ações, hipotecas, dividas de bancos e empresas. É simplesmente impressionante a quantidade de dinheiro que foi criado entre 2008 e 2015 nos EUA e no resto do mundo. Da mesma forma que todo o sistema financeiro Francês da época ficou inserido na bolha do Mississippi, talvez hoje todos os Bancos Centrais do mundo estejam também inseridos em uma bolha muito maior. E da mesma forma que o governo Francês possuía uma quantidade absurda de ações sem valor da companhia do Mississippi, talvez os EUA possuam uma quantidade absurda de hipotecas sem valor.
Harari continua:
“A Bolha do Mississippi foi uma das crises financeiras mais espetaculares da história. O sistema financeiro da coroa francesa jamais se recuperou totalmente desse golpe. A maneira como a Companhia do Mississippi usou seu poder político para manipular os preços das ações e alimentar a febre de compra levou o público a perder a fé no sistema bancário da França e na sabedoria financeira do rei francês. Luís XV teve cada vez mais dificuldade de obter crédito. Esse veio a ser um dos principais motivos pelos quais o império ultramarino francês caiu nas mãos dos britânicos. Enquanto os britânicos conseguiam obter empréstimos facilmente e a juros baixos, a França enfrentava dificuldade para conseguir empréstimos e tinha de pagar juros altos por eles. Até que, nos anos 1780, Luís XVI, que havia subido ao trono após a morte do avô, percebeu que metade de seu orçamento anual estava comprometida com o pagamento de juros sobre os empréstimos e que seu destino era a bancarrota. Com relutância, em 1789, Luís XVI convocou os Estados-Gerais — o parlamento francês que não se reunia há um século e meio — a fim de encontrar uma solução para a crise. Assim começou a Revolução Francesa.”
E mais coincidências ainda podem ser observadas nas consequências entre as crises. Até hoje os bancos centrais ainda não se recuperaram da crise de 2008, e provavelmente nunca irão. O balanço do FED é imenso. As taxas de juros estão hoje próximas de zero ou negativas. Pode ser que esse erro dos EUA seja fatal para sua liderança global na economia. A China já era uma ameaça perturbadora para os Americanos em todos os sentidos, e agora, com a economia global tão vulnerável, pode ser que alguém tire vantagem dessa crise.
Ambas as crises foram claramente criadas por fraudes com participação ativa nos governos vigentes e parece que casa vez mais estamos perdendo nossa fé no sistema financeiro Global. Tanto é verdade que hoje temos iniciativas como o Bitcoin e Ethereum que vieram justamente por insatisfação na forma como os governos lidam com a moeda. E é claro que outro movimento que ganha força com os erros do Governo são os Liberais, e quem sabe um dia voltem a ser um grupo com ideias amplamente compreendidas e defendidas.